A VOLTA AO MUNDO DO BOM JESUS: “DEPOIMENTO DO MESTRE BOM JESUS À FELIPE MANSUR”

 
De cabeça pra baixo, plantando bananeira, na praça da igreja ou em qualquer terreno descampado. Horas e horas aperfeiçoando os movimentos do corpo. E, como uma meia-lua de compasso muito rápida, o que começou quase como uma brincadeira de criança foi tomando a sua vida. Capoeira e nada mais.

Foi no antigo clube Tupi que o até então filho mais novo da dona Penha, nascido em 12 de abril de 1964, em Airituba (São José do Calçado), se encontrou com a capoeira. O jogo parecia mesmo para ele. Rápido e esperto como um gato, trazia da rua a malícia de fugir do perigo. Magricelo, pulava com extrema facilidade. Dominava o tempo e o espaço. 

Os alunos graduados Batista Magalhães e Priti, com quem o garoto começou a treinar, seguiram por outros caminhos. O Jair Humberto, como sua mãe o chamava, não podia parar. Ainda adolescente, tomou à frente o desafio de não só manter o grupo Angonal em Bom Jesus, mas também ensinar aos novatos. 

Dessa época, ficaram amizades para a vida toda: o saudoso Moreno, Macaco, Carlão, Claudinho, Zé Luiz, Matinta, Evaldino, Angoleiro, Claudinho, Bal, Kennedy...não era só um grupo de capoeiristas, mas uma reunião de amigos. Os treinos passaram do Tupi para o Centro Cívico, depois para a laje da dona Penha, para a garagem do Moacir e a academia Salut.  Dona Mariza foi quem conseguiu o espaço no colégio Padre Mello. Aos poucos, as portas foram se abrindo. 

Vieram as grandes rodas: praça do Espírito Santo, praça do estado do Rio...a capoeira de Bom Jesus era realidade, um fenômeno que não distinguia cor e classe social. Todo mundo era bem-vindo. Quebrando preconceitos, aquele grupo de jovens mantinha viva a cultura brasileira e exaltava a luta/dança nascida com os escravizados nas senzalas. 

Em 1979, Carlos, que mais tarde seria batizado como Carioca, e Márcio, que se tornaria Matamba, começaram a treinar com o Jair. No início dos anos 80, o primeiro batizado do grupo Angonal, no clube Tupi, reuniu uma legião de admiradores e incentivadores do grupo. O inesquecível padre Gabriel estava lá. Ficam na lembrança o seu sorriso, as palavras amigas e as caronas para os treinos e rodas.    

Foi num batizado em São Gonçalo, do mestre Boca, que surgiu o apelido que levaria para o resto da vida: Bom Jesus. Em 1984, aos 20 anos, ele se mudou para Vila Velha. Levou na bagagem a astúcia do menino de pés no chão que nadava no rio Itabapoana. Sim, foi Bom Jesus quem deu a letra para ele enfrentar os leões da cidade grande. Foi a época dos treinos no Saldanha da Gama e das aulas no Clube Libanês.
 
Capixaba foi o seu grande mestre. Muito técnico e de explosão física marcante, foi com ele que Bom Jesus aperfeiçoou o seu jogo. Foi um tempo de muito aprendizado e de amadurecimento como capoeirista. Mesmo morando em Vila Velha e viajando por todo o Brasil, o mestre ia sempre à sua cidade, preservando as suas raízes. 

Em 1990, era hora de alçar voos mais altos, literalmente, deixando os alunos com Carioca e o mestre Capixaba. Bom Jesus agora ia para mais longe: Nova Iorque, a capital do Planeta. De lá, com o “Dance Brasil” partiu para o mundo: Áustria, Itália, Japão, Hong Kong...e quase os 50 estados americanos!

Em 1993, Bom Jesus fez seu primeiro batizado nos EUA. Ele foi o primeiro a levar a capoeira para academias de Nova Iorque e ensinou, também, em universidades americanas. A arte brasileira nascida na senzala chegava ao Central Park, a grandes hotéis, teatros e festas, a escolas americanas... 

Em 1997, Carioca se junto a ele em Nova Iorque. Em 2001, Bom Jesus fundou o seu próprio grupo – o Capoeira Performance Arts Center. A consagração como mestre veio em 2008, pelas mãos do mestre Capixaba, um dos maiores capoeiristas do mundo e a grande referência na capoeira para o mestre Bom Jesus. 

Voltou à sua cidade para entregar a corda de mestre ao Matamba, que com muita dignidade conduz um grande trabalho em Bom Jesus, preservando a memória daquela geração dos anos 70 e 80. 

Mestre Bom Jesus cumpriu a sua trajetória na capoeira e deixou um legado para a cultura nacional.

Jair Humberto Mansur fez de Bom Jesus um capoeirista que deu a volta ao mundo na roda da vida. 

Divulgação Blog Alan Gonçalves

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