“TENHO MEDO É DOS VIVOS”, DIZ COVEIRA DE 80 ANOS DO SUL DO ESPÍRITO SANTO

 
Quem cruza pelas ruas com Maria Laurinda Adão, a dona Maria, de 80 anos, não imagina sua importância na preservação das raízes e tradições do povo afro-brasileiro e no cenário cultural de Cachoeiro de Itapemirim e da região Sul do Estado. 

Ela nasceu na comunidade quilombola de Monte Alegre, no distrito de Pacotuba, onde mora até hoje e realiza sua atividade de coveira há mais de 50 anos em um cemitério histórico fundado em 1865, mesmo após a aposentadoria formal. 

“Tenho medo é dos vivos. De morto, a gente só tem respeito. Uma vez um tio meu morreu e o coveiro estava doente. Então comecei a cavar a cova. Depois chegaram meu irmão e minha irmã para ajudar. Aí, não parei mais. São sempre sete palmos e meio de profundidade. Eu aposentei só no papel, mas continuo abrindo covas”, disse ela. 

Além de sepultar os vizinhos, a aposentada também é parteira há cerca de 70 anos. “Minha avó era parteira e eu sempre a acompanhava  nas casas quando ia fazer parto. Ela tinha uma bronquite muito forte e numa das casas ela estava passando muito mal. Eu tinha 10 anos de idade e ela me perguntou se eu tinha coragem de ajudar”, lembrou.

"Tenho uma missão dada por Deus. O que Ele dá, a gente não pode meter os pés. O que Ele me deu, povo nenhum tira de mim”, Maria Laurinda Adão, coveira e parteira

“Eu nunca tive medo de nada. Então, ela me ensinou. Mandou cortar o umbigo três dedos depois da barriga, amarrar bem. Trouxeram uma colher quente e eu coloquei em cima e cauterizei. Fiz tudo direitinho. Tudo começou ali”.

Dona Maria ainda revelou que também  já ajudou a enterrar quem ela já “trouxe ao mundo”. “Se eu já enterrei alguém que tenha ajudado a nascer? Infelizmente, sim. Alguns”, ressaltou. 

Além de coveira e parteira, dona Maria  é mãe de santo em uma casa de umbanda, que diz ter  “herdado” da família na comunidade e é certificada pela Secretaria de Estado de Cultura (Secult) com o prêmio de Mestra do Caxambu de Santa Cruz. 

Ela contou que mantém a jovialidade andando de bicicleta todos os dias. Dona Maria disse  que já viajou para vários países e percorre o Brasil para divulgar seu trabalho para preservar a cultura trazida pelos escravizados africanos para o Espírito Santo. 

“Tenho uma missão dada por Deus. E o que Ele dá, a gente não pode meter os pés. O que Ele me deu, povo nenhum tira de mim. Então, vou continuar trabalhando enquanto eu puder”.

De Paula Comunicação / Tribuna Online

Comentários